Naquele dia primaveril, Vera perfumou-se, apertou os lábios distribuindo o batom e ajeitou seu ralo cabelo diante do espelho. Respirou fundo, empinou a coluna, seus seios vieram para cima, alisou o vestido e deu-se por satisfeita.
Olhou a sala arrumada, decorada com seus móveis antigos, pegou a bolsa, a chave e saiu em direção à área de serviço. Um arrepio percorre sua espinha quando encontra o moço do 9º andar no elevador. Em um impulso lascivo vê-se atracada ao corpo moreno num beijo desesperado, pura imaginação; cumprimentam-se apenas com um aceno de cabeças.
Saiu desfilando pela calçada, sentindo a primavera dentro dela, seu próximo destino era a Casa de Repouso Flor de Lótus, onde Vera voluntariava às quartas-feiras. Lia às escondidas histórias eróticas para a turma das senhoras de 80 anos “vivíssimas da Silva”, que adoravam as incursões a esse mundo esquecido. Vera ficava satisfeita em oferecer momentos divertidos àquelas mulheres que a ouviam com devoção.
Coincidentemente, nesta quarta-feira era seu aniversário e no lanche da tarde do asilo uma surpresa a esperava, um bolo cheio de glacê com uma vela gasta de 72 anos, utilizada em tantos outros aniversários. Sorrateiramente aproximou-se do bolo e arrancou a vela. Dona Matilde, interna de 82 anos, viúva e mal-encarada, critica:
- Deixe a vela, nós sabemos a sua idade.
Vera lhe dá um sorrisinho amarelo e puxa o parabéns. Num coro descompassado ninguém percebe a falta da vela, as senhorinhas queriam mesmo era comer o bolo. A tarde termina bem animada, ela estava feliz, guardou os mimos que tinha recebido numa sacola, despediu-se e voltou desfilando pela mesma calçada.
Já em casa, atende o telefonema da única filha que vive no exterior, conta a ela a história da vela, a filha ri e pergunta porque tirou a vela do bolo. Vera responde:
- Eu não tinha percebido que fiz mais de 70 anos, quando me olho no espelho, vejo uma linda mulher de 30 anos!
Fernanda Menezes Carracedo