Eu nunca achei que casamento fosse algo ruim. Enquanto a maioria dos meus amigos dizia que queria se casar mais tarde, depois dos trinta, eu me amarrei logo aos vinte e três. Casei na intenção de cumprir o "até que a morte nos separe", e sempre fui contra o divórcio. Achava (e continuo achando) que muitos casais terminam seus casamentos por simples falta de perseverança. O que eu não imaginava é que minha perseverança não me seria muito útil para manter o meu.
Para encurtar uma história que está aqui apenas de passagem, depois de onze anos estava divorciado, sem filhos. Alguns erros ao longo do caminho acabaram causando a morte prematura do amor. E não tenho medo de dizer aqui que amor morre sim, se você deixar. Como tudo em nossas vidas, as versões terrenas dos atributos de Deus são todas perecíveis, e dependem de nosso cuidado constante para sobreviver. O amor divino é perfeito e infinito, mas o nosso não.
Onze anos de casamento são bastante coisa, e eu teria que ser muito idiota para não aproveitar toda essa experiência num relacionamento futuro. Dizem que cada cônjuge tem metade da culpa em um divórcio, e eu não poderia deixar que meus atos e escolhas que me renderam essa metade amarga acabassem sabotando mais um casamento. Dando espaço à sabedoria popular, errar é realmente humano, mas persistir no erro é uma tremenda de uma burrice, ou no mínimo uma prepotência cegante. Decidi fazer uma análise profunda de minhas atitudes e comportamentos, e me apresentar ao mundo numa versão melhorada, um Flavio 2.0, por assim dizer.
Conheci Alessandra através de um grande amigo. Ele percebeu que nós tínhamos tudo a ver um com o outro e nos levou para almoçar. Foi tudo o que ele precisou fazer. O almoço da quinta-feira rendeu uma amizade no Facebook, que depois rendeu um novo almoço na terça seguinte (desta vez a sós), um jantar na quarta, outro na quinta, e um eu te amo recíproco poucos dias depois. Passados menos de dois meses estávamos morando juntos, em mais dois casamos. Tudo sem medo nenhum de ser feliz. Paixão avassaladora aos trinta e cinco anos de idade, e sentimentos que jamais tinham dado as caras nesse coração aqui. Você acha que já viu as cores mais brilhantes até descobrir que elas eram meros tons desbotados; da mesma forma acha que já amou muito alguém até descobrir que ama demais uma outra pessoa.
Nos três anos que estamos juntos fizemos muita coisa, mudanças que talvez levaríamos mais de uma década para realizar num relacionamento comum, mas que no nosso ritmo alucinado de amar levaram poucos meses. Em três anos mudamos três vezes de endereço, abrimos dois negócios diferentes, trocamos ambos de carreira, mudamos de país, fizemos um herdeiro. Tudo bem que as coisas têm que andar mais rapidamente para quem se aproxima dos quarenta, pois a última década de juventude está à porta, mas muita gente achou que estávamos nos apressando em tudo, e que poderíamos nos machucar. Eu nunca me preocupei, nem a Alessandra - sempre tivemos certeza de que estávamos fazendo tudo certo. E a minha certeza vinha de um sentimento muito claro, uma liberdade que eu nunca tinha vivido, algo que deixou uma marca indelével em minha vida: eu me livrei de todos os arrependimentos que já havia tido quando percebi que o caminho que trilhei era o único que me levava até o meu presente.
Explico melhor. Eu descobri que amava realmente, e que tinha encontrado a minha alma gêmea no dia em que me perdoei por todas as coisas das quais já tinha me arrependido, e me livrei de todas as culpas, porque cada uma delas fazia parte de uma sequência de eventos, uma em trilhões possíveis, que me levava até aquele almoço em que conheci a Alessandra. E se tudo o que fiz me levou até ela, e me deu a vida que tenho hoje, não posso me arrepender de nada, porque qualquer mudança no passado poderia nos ter afastado e nos impedido de viver o que vivemos hoje. Meu casamento foi, nesse sentido, minha cura e meu perdão interior, e isso é muita coisa. Quando tive certeza de que havia terminado minha busca por amor, tive também certeza de que queria ter filhos, de que minha carreira jamais seria mais importante que minha família, e de que eu faria tudo o que estivesse ao meu alcance para que eu nunca mais tivesse metade da culpa por um divórcio.
Continuo um entusiasta do casamento, creio que um homem não é completo até achar sua mulher, e vice-versa, e tenho certeza de que está em nossas mãos, e somente nelas, a preservação de um casamento feliz, duradouro e cheio de amor. Está em cada decisão de não olhar com cobiça para outras pessoas, de jamais perder a admiração pelo parceiro, de nunca permitir que as palavras duras e ofensivas encontrem lugar nos diálogos do casal, de valorizar a família acima de tudo, de defender com unhas e dentes o cônjuge, de andar mais vinte milhas se necessário, e de dar a outra face quantas vezes for preciso. O amor, quando bem cultivado, cobre qualquer ofensa, vence qualquer dificuldade e subsiste a todas as crises. É o que há de mais poderoso ao nosso dispor, é um pedacinho do divino em nossas mãos, é verdadeiramente algo digno de se perder a vida em seu favor. Pode parecer um tanto poético, mas a vida sem poesia é simplesmente um amontoado de eventos sem sentido. Amemos sem economia, sem restrições e sem ressalvas.
Flavio Quintela
Escritor e tradutor de obras de filosofia, política e ficção. É autor dos livros Mentiram
(e muito) para mim e Mentiram para mim sobre o desarmamento. É articulista da Gazeta do Povo de Curitiba e possui seu blog de política, chamado Maldade Destilada. Mora com Alessandra e com o pequeno Benjamin na Flórida, EUA.
Lindo e renovador! Deveria haver o ícone "emocionante" nas reações!
ResponderExcluirDesejo a vocês um caminho cheio de luz !
Concordo com você, Mônica! Obrigada pelo comentário.
ExcluirAmei o texto, Flávio. Amo assim e por isso o entendo e comungo das mesmas ideias. Um beijo aos três e continue vivendo de amor, crença e verdades...todos ganham!
ResponderExcluirTexto lindo do meu amigo. Obrigada por comentar! E que o amor seja uma constante em nossas vidas!
ExcluirMuito lindo o texto. Surpreende. Adorei.
ResponderExcluirDemais, né?! Também adorei, e o mais legal é conhecer e acompanhar a vida desse amigo que escreveu! Bjs, Char
ExcluirLindo texto, Flávio!!
ResponderExcluirDri, tão legal ver que esse amor só aumenta, né? Beijos pra vcs 3!
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