Eduardo abriu os olhos. Estava com medo de se levantar.
Ficou deitado por mais um tempo, viu que horas eram e então fechou os olhos, pressionando-os bem forte, como se isso fosse capaz de impedi-lo de lembrar que no outro canto da cidade, tomando conhaque, estava a criatura que sobrevivia noite afora.
Foi outro dia que, quase sem querer, Eduardo encontrou-se com ela. E para não demonstrar inocência nem tampouco covardia diante de bocas e olhos de proporções tão desconexas (que se alternavam no tamanho e na forma, dançando conforme as palavras) topou conversar com a criatura. E conversaram muito, mesmo sem ainda se conhecerem.
Um carinha do cursinho do Eduardo disse que a tal criatura esquisita frequentava festas estranhas e tomava birita.
Nãooo!! Não aguento mais birita!, gritou Eduardo em meio a um pesadelo de uma noite mal dormida. Acordou com o telefone tocando. Era a criatura. A voz rouca do outro lado da linha o intimou a ver o filme do Godard. Receoso, pensou em ir para a lanchonete, mas achou melhor não contrariar o ser extravagante que tinha tinta no cabelo.
Aos 16 anos, não imaginava que ainda pudesse ter esses medos infantis de criaturas imaginárias. Arregalou os olhos lembrando-se do dia em que
conversaram: a criatura enrolava a língua, parecia que falava alemão e sabia tudo do corpo humano, como se estudasse medicina. Um arrepio percorreu-lhe a espinha quando ela chegou bem perto da sua orelha e sussurrou: Bandeira, Bauhaus, Van Gogh, Mutantes, Rimbaud, meditação, magia... Esses nomes ecoavam na sua cabeça de um lado para outro como o botão do futebol que ele jogava vez ou outra com seu avô.
Escola, cinema, clube, televisão… Em todos os lugares, todos os dias, a criatura de olhar fulminante o perseguia. Eduardo acostumou-se tanto com sua presença que a carregou para a natação, fotografia, teatro, artesanato, para o céu, para a terra, para a água e para o ar que respirava. Mas estava atormentado. Que relação era aquela, afinal? Começou a beber, deixou o cabelo crescer...
Pouco tempo depois decidiu trabalhar. Foi quando passou no vestibular. Os novos ares, seriam a deixa para esquecer de vez aquela criatura que andava - com pés sempre descalços - a atormentá-lo. Ao invés disso, viu-se comemorando com ela, depois brigando com ela, e de novo comemorando e mais uma vez brigando e depois comendo arroz com feijão. Sempre com ela Construiu uma casa, batalhou grana e passou por uma barra das mais pesadas.
Sempre ao lado dela. Pela primeira vez sentia-se confortável naquela relação.
Voltou pra casa e percebeu que não conseguiria mais viver sem ela, a sua criatura.
E se deu conta que agora até pelo nome a chamava: Mônica.
Fabiana Pacola lus
Jornalista e comprometida com o design. Acredita nas sutilezas do humor. Compartilha do universo da economia criativa e colaborativa com a irmã no projeto The MIX Bazar que une moda, arte, design e experiências bacanas para o consumidor moderno. Casada e mãe da Nina.
Jornalista e comprometida com o design. Acredita nas sutilezas do humor. Compartilha do universo da economia criativa e colaborativa com a irmã no projeto The MIX Bazar que une moda, arte, design e experiências bacanas para o consumidor moderno. Casada e mãe da Nina.
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