sexta-feira, 29 de julho de 2016

Messias




Era terça-feira, dia de comprar frutas e legumes mais baratos no mercado próximo à sua casa, e essa função era dela.

Saiu com uma pequena lista de outros itens essenciais para comprar além do sacolão e dedicou-se a eles em primeiro lugar: cuscuz marroquino, areia higiênica perfumada para gatos, tempero pronto para feijão, repelente.

Quando, enfim, chegou ao sacolão, parou na banca de bananas.
- Pensei que não viesse aqui hoje.

O rapaz arrumando as bananas na banca murmurou alguma coisa tão baixinho que ela não entendeu.
- Pensei que não viesse aqui hoje.

Ele repetiu, baixinho, para dentro, e ela olhou em volta para se certificar se era com ela mesmo que ele estava falando. Não havia mais ninguém.
- Hum?
- Eu pensei que você não viesse aqui hoje.

Vendo sua cara de surpresa, ele emendou:
- Aqui, no sacolão.

Ela, ainda sem entender nada, continuou:
- Quem, eu?
- É, você. Eu vi que você estava ali pegando outros produtos e achei que não viesse para esses lados hoje.

Ela, totalmente sem jeito:
- Ah, é?
- Você sempre vem às terças, não é?

Ela, mais sem jeito ainda e redondamente surpresa com as observações que ele fazia e a forma com que falava - bem baixo, para dentro, sem lhe direcionar os olhos, como se estivesse disfarçando - respondeu:
- É sim.
- Mas já faz um tempo que você não vem, umas duas semanas.
- É verdade, eu estava viajando. Nossa, mas você é observador, hein! Como se chama?
Ela só queria ser simpática.
- Messias. E você?

Bom, nessa hora ela pensou um pouco e resolveu se precaver e não dizer seu apelido, que era com o qual sempre se apresentava. Achou melhor dar o nome inteiro, só para garantir que não houvesse nenhuma intenção de intimidade por parte dele, embora ela tivesse certeza que não havia.
Andou até as maçãs com um sorrisinho de canto de boca, pensando consigo mesma que precisava reparar mais nas pessoas com quem cruzava e sentindo-se cheia de importância.

Seguiu para as cebolas e de vez em quando dava uma olhadinha lá para o lado das bananas, mas sempre evitando o contato visual. Aquela conversinha a tinha deixado interessante.

Passou pelas batatas, pelo gengibre, cenouras e, quando chegou nos abacaxis ele apareceu novamente.
- Semana que vem você vai vir?
- Provavelmente.
- Você mora aqui perto?
- Moro, por isso é que estou sempre por aqui.
- Vai vir sozinha?

Humm, ela começou a achar as perguntas meio estranhas.
- Ah, não sei. Sozinha, ou com meu marido, ou com meus filhos, sei lá.
- Bom, se você vier acompanhada eu não te conheço. Nem sei o seu nome.
- Tá bom!

E já ia saindo desconcertada em direção aos pepinos quando ele continuou.
- Você tem telefone?

Ela, então, achou melhor dar um basta naquilo.
- Messias, eu sou casada.
- Mas a gente não pode aprofundar a amizade?
- Não, ainda mais desse jeito que você está pensando.
- Mas...

Ela não ficou para ouvir o resto da frase.

Na terça-feira seguinte, foi fazer o sacolão em outro lugar.







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Tina Zani é uma escritora que faz arte. Em sua carreira como autora constam ensaios, contos, crônicas e poesias. Escrever faz parte de sua vida e as ideias fluem naturalmente por seus dedos. Na voz de seus leitores, Tina escreve com leveza e melodia. Tem as asas soltas pelas palavras. Seu trabalho tem sido destaque no site superela.com. Mora em Campinas, São Paulo, onde mantém o endereço entaoviva.com e alimenta as páginas Tina Zani e Tina Zani Ilustrações.

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